Crônica de
Sexta
*Micaela
chegou atrasada no trabalho. Esbaforida abriu a porta do consultório,
trancou-a. Constatou que a psicóloga já estava atendendo e descansou.
Fez sua
rotina usual: colocou a cadeira na posição certa, arrumou as fichas de novos
pacientes, organizou a planilha de pagamentos e, quando finalmente, iria sentar
para começar de fato seu dia de trabalho, foi surpreendida por um toque na
campainha.
Surpresa,
Micaela abriu a porta e recepcionou uma paciente que chegara uma hora antes do
horário de sua consulta. Acomodou a moça de 15 anos e voltou a sua posição de
secretária. Mas, pelos próximos 60 minutos não imaginou que seria surpreendida
por revelações de uma jovem aparentemente tão calma.
Cerca de
três minutos, foi o tempo que a jovem *Paola levou para desatar a falar como
uma metralhadora. Atordoada Micaela deu atenção a menina.
“Eu vim aqui por causa disso!”
E antes que
Micaela perguntasse o que era, havia um pulso estirado, quase esfragado em seu
nariz, com um alguns riscos, algumas cicatrizes. Micaela não teve escolha, a
não ser conversar sobre os cortes no pulso da garota.
- Então você se corta! Com o que fez esses
cortes?
- Com a lâmina de um apontador!
Não foi a
sinceridade de Paola que a surpreendeu, mas a naturalidade com a qual falou.
Uma garota de 15 anos procurando aprovação. Os próximos minutos foi uma
sucessão de perguntas e afirmações do tipo, deixa
eu te falar uma coisa, sabia que eu pinto o cabelo de rosa? Gosto de fazer o
que é proíbido! Sou roqueira! Amo anime! Detesto ser julgada!
Micaela foi
invadida por ondas e ondas e auto-afirmação e perguntas que buscavam a
aceitação. A única coisa que podia fazer era deixar seu trabalho de lado e
conversar. Foi o que fez.
A hora de
espera passou com uma rapidez única. Micaela conversou sobre namoro, tintas de
cabelo, unhas, saltos, angustia, pilates, anime, cosplay, impaciência, vontade
de ser aceita, vontade de que os pais a entenda, querer ser aceita pelas irmãs.
Então a porta interna do consultório se abriu e a psicologa se despediu da
paciente das 8h e recepcionou Paola. A sessão dela havia começado.
Micaela
sorriu ao ver a menina entrando na sala do psicólogo, mas uma dor aguda ficou
martelando em seu peito. Uma pergunta soando em sua mente: Quantas mais existem como ela? Quantas crianças e adultos sofrem com
dores emocionais intensas e não conseguem colocar pra fora?
As
perguntas pararam, pois iriam levá-la a um buraco sem fundo. Mas sabia de uma
coisa: na próxima semana Paola voltaria, e seria mais um momento de conversas
intermináveis, compartilhamento de ideias e ela poderia compartilhar da
presença daquela garota que, apesar do bullyng
que sofre na escola, e de toda autodepreciação é uma menina adorável e marcante!
Então, que venha a próxima semana!
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Kamila Mendes
Marcadores: CRÔNICAS