Andando pela casa aos sussurros, mamãe já sabia que estávamos aprontando alguma coisa, mas nada podíamos dizer, senão ela vetaria a entrada dele na nossa vida. havia duas ou mais semanas que esperávamos por ele. travávamos todos os dias uma batalha em busca de um nome ideal, mas naquela noite não houve muitas dúvidas: seria Hórus ou Hades.
Então ouvimos o ferrolho do portão sendo aberto, minha gêmea carregou o siamês dela, Lord Khronus para sala, e lá veio ele, com olhinhos curiosos, pretos como azeitona de pizza, um pelinho encaracolado preto como ébano, Dani (minha irmã mais velha, sua mãe) o colocou no chão. ele como todo filhote andou com suas patinhas incertas e cheirou toda sala, batizando-a como dele. Kronnus, arisco e elétrico como era, se aproximou desconfiado, aquela desconfiança eriçada de gato, e foi cheirá-lo, o filhote de poodle preto se empolgou, quis brincar e ficou pulando no gato, naquele dia, com dois arranhões, um ganido de filhote e muitas risadas nossas, começou uma relação de amor e companheirismos que duraria 10 anos. Hórus, o mini poodle preto, havia chegado em nossas vidas!
Resolvo contar essa história hoje, porque é quando me sinto mais segura em poder falar, mas mesmo assim, lágrimas ainda rolam em meu rosto.
Foram 10 anos de alegrias, medos, risadas, gargalhadas e muito amor. não consigo entender como uma pessoa vê um filhote na rua e pensa nele como uma coisa, vivi histórias extraordinárias ao lado do meus filhotes, mas esse espaço é reservado apenas a ele, com quem sonho todas as noite, horinho filhote de titia.
assim que ele chegou, nossa jovem vida mudou. adolescentes em depressão, eu e minha irmã gêmea já havíamos presenciado as mortes mais dolorosas de nossa vida. avô paterno morto, vencido pelo câncer de estomago, nossa tia-mãe morta, vencida pelo câncer de útero, nosso poodle toy Eros (deus romano do amor) morreu de uma forma trágica, Zeus e Dimitri, nossos gatinhos guerreiros/irmãos, envenenados por vizinhos, e Ralph, pastor alemão misturado com poodle standar havia sido levado de nós. Hórus não preencheu o lugar deles em nossa vida, ao contrário, iniciou um belo capítulo que durou longos e saudosos 10 anos.
Algum tempo depois da chegada de Hórus (deus egípcio da guerra, representado com cabeça de falcão, deus dos faraós) enfrentamos nossa primeira tragédia juntos. Kronnus morreu, envenenado provavelmente. Hórus era ainda muito novinho, mas chorou, gruindo ao nosso lado, quando enrolamos Khronnus em um pano e o enterramos no quintal. alguns dias depois, não suportando a tristeza de minha gêmea, levei para casa Lancelotti, nosso guerreiro da távola redonda, que lutou bravas batalhas ao lado do poodinho preto.
Lance e Hórus desenvolveram uma relação de amizade linda, ao qual nunca vi entre humanos. Desde filhotinho Lancelotti apresentou sintomas de DOITF (doença do trato urinário felino), ou seja, em sua bexiga se formava milhões de pedrinhas que entupiam a passagem da urina pela uretra. tivemos que sondá-lo e interná-lo várias vezes e Hórus, apesar de viver sua batalha pessoal, fazia vigília ao lado do amigo doente. Horinho lutava contra uma infestação de carrapatos, a qual nunca conseguimos eliminar.
ele vivia dentro de casa, mas era como se fosse de rua. Veneno atrás de veneno, banhos miraculosos atrás de banhos miraculosos, remédios caseiros, idas ao veterinário por envenenamento (alguns dos venenos pra carrapato eram muito fortes pra ele), uma erliquiose (doença do carrapato que quase o tirou de nós e uma transfusão de sangue). Mesmo com tudo isso, ele sempre estava ao nosso lado. Quando sofríamos com as muitas brigas de nossos pais, nos sentávamos no chão do quarto e lá vinha o Hórus, com seu rabinho cortado baixinho, sentar ao nosso lado e esfregar seu focinho gelado em nós. não adiantava dizer sai, Hórus, ele não saía até que nossas lágrimas secassem.
Passávamos horas do nosso dia catando ele. quanto mais bichinhos tirávamos mais apareciam. Parecia que o pesadelo não tinha fim. mas como todo pesadelo teve fim.
No ano de 2010 (ano de tragédias , Hórus já era um senhor de pelos, mas calmo como sempre fora, agora babá da descendência do Lancelotti (ele havia criado como seus os filhotes do nosso gato siamês: Gawen, meu filho, e lindinha, filha da Dani, e seu filhote, Jasper, mais conhecido como Pingo). Chegou uma época que tínhamos em casa quatro gatos siameses da mesma família e Hórus se sentia pai/mãe deles. Se adoeciam, lá estava o poodle preto lambendo-os e dormindo ao seu lado até que melhorassem.
Em abril desse ano perdemos Lacelotti, o gato guerreiro. Quatro anos lutando contra a DOITIF, saindo vencedor, mas enfraquecido, de cada internação. Num domingo como outro qualquer, com todos em casa, e depois de ter brincado de correr com o Ozzy (um dos muitos apelidos de Hórus), Lance resolveu andar pelo quintal, quando ele voltou, já estava tonto, andando trocando as quatros patas como um homem bêbado gritando de dor. Hórus correu ao redor, sem saber o que fazer. Nós o levamos ao veterinário, onde descobrimos envenenamento. Em dois dias tivemos que optar pelo sacrifico: seu sistema imunológico já não resistia ao avanço do veneno, seus rins haviam parado, um líquido cheio de bactérias se formou em seu abdômen seus pulmões foram atingidos e o coração estava fraco, naquela terça em que assinei o termo de responsabilidade ele já havia tido três paradas cardíacas.
Evitei chorar na clínica, já bastava o choro de dor de minha irmã gêmea, mas quando cheguei em casa e vi HóruS e Gawen esperando pelo Lancelotti, não resisti, desabei, chorei abraçada com Hórus, enquanto explicava, pois sei que ele entendia, que mais uma vez a maldade humana havia levado seu melhor amigo.
Em setembro desse mesmo ano, minha vó foi diagnosticada com Alzheimer e Parkinson, foram seis meses de luta, choro e dor marcados pelo companheirismo do poodinho preto. Quando minha vó faleceu, assim que retornamos do cemitério, encontramos Hórus sentado ao lado da cadeira de balanço verde da sala de janta, a cadeira predileta da nossa avó. Ele olhava pra cadeira e olhava pra gente, ficou todo o almoço sentado ao lado da cadeira e passou a tarde deitado ali, como se fizesse seu próprio ato fúnebre... Hórus nunca mais passou muito tempo perto daquela cadeira e passou semanas indo até a cama da vovó, ficando nas pontas de suas perninhas curtas e cheirando o colchão pra tentar encontrar algum rastro dela. Por vezes, depois de fazer isso, ele se deitava embaixo da cama e ali permanecia por um bom tempo.
Em dezembro de 2011 fomos obrigados a mudar. Juntamos nossas coisas em caixas, com lágrimas nos olhos e nos mudamos. Fizemos em média três ou quatro viagens de carro para poder levar a nova casa nossos filhotes, agora da grande família de gatos só havia sobrado Gawen e Hórus (acredito que ele se sentia mais gato que cachorro), nossos cachorrinhos May, Suki e Crixus também vieram conosco.
Na nova casa, apesar de pequena, achamos que por fim, Hórus se veria livre dos carrapatos, mas nos enganamos. Parecia que mais dessa praga aparecia e mais consumia nosso filho. Talco, frontline, banhos, tardes e dias catando, nada resolvia muitos indicariam o sacrifício mas eu sacrifiquei o Lance, vocês não entendem a dor que senti. Preferimos lutar.
Levei-o no veterinário em busca de solução, afinal eram mais de 10 anos de luta, mas a resposta foi: estudos compravam que existem animais cujos carrapatos são imunes a medicação. Acredita-se que esses animais tenha alguma enzima no sangue que atraia os carrapatos. Ainda com esse diagnóstico continuamos tratando dele e dando-lhe amor e carinho.
Até que minha irmã mais velha, mãe do Hórus, viajou. Ela foi trabalhar durante as Olimpíadas 2012 em Londres. Hórus, já um senhor de pelos, velhinho e meio rabugento se negava a comer e beber se não houvesse ninguém em casa. Assim que chegávamos do trabalho, dávamos ração e água e banana, se tivesse (ele era viciado em banana), mas num belo dia, um dia antes de minha irmã voltar, ele se foi.
Era umas 22h quando ele desmaiou nos braços da minha gêmea. Corremos ao veterinário e descobrimos que os momentos que ele ficava só em casa não se alimentava nem bebia. A comida que dávamos ao voltar, junto com a água não foram suficientes, e a erliquiose se instalou novamente. Duas horas depois de ser internado, meu poodle preto, meu melhor amigo, filho e benção de Deus na minha vida e das minhas irmãs, faleceu, enfim consumido por essa praga e pela rabugisse da idade.
Escrevo essa homenagem só hoje, pois é o primeiro Natal sem ele. Não vou mais gastar horas do dia 23 de dezembro costurando uma gravatinha pra ele passar o Natal de Gala. Quando os fogos anunciarem a chegada do Natal, não vou mais correr pra abraçá-lo e nem ser arranhada por ele pulando, enquanto nos desejamos feliz Natal, um desejo tímido, é verdade.
Sonho, todas as noites, que você volta pra gente, preto. Sonho em te abraçar e em sentar no chão pra mexer no notebook, ou assistir TV ao seu lado. Sonho em acordar e ver você vindo de cabecinha baixa, com seus olhinho negros e tão vivos, me desejando bom dia.
Sinto sua falta, meu filhote e sinto muito!
OBS: não me importa quantas pessoas vão ler e gostar, quantas vão dedicar tempo aler sobre um cão que morreu, ou quantas vão me criticar.o que importa é que, enfim, pude colocar no "papel" a falta que meu preto me faz.
Kamila Mendes
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