Dizia Cecilia, enquanto a filha simplesmente respirava firme e tentava empurrar para o abismo de seu peito as emoções que ameaçam romper com a barragem de seus olhos.
Linda nunca quis aquilo. De fato, a menina nem sabe porque tinham que mudar tão depressa. Ela apenas chegou em casa e encontrou caixas e mais caixas e seu quarto tão limpo e vazio como se nuca tivesse vivido ali. A mãe arranjara tudo sem lhe consultar. Sentia como se a vida não fosse sua. Como se apenas estivesse passando por ela.
Os olhos da menina eram só dor e saudade. Deixou para trás amigos de infância, o vizinho Taylor, com quem tinha crescido e desenvolvido algo além de uma amizade qualquer. Era mais forte. Eles se conheciam a tempos. Completavam as frases um do outro. Namorar foi natural e algo até esperado pela família de ambos.
Não entendia como funcionava a mente da mãe. Só sabia de uma coisa: que havia deixado sua vida para tras. Por instinto, baixou o vidro do carro, recostou a cabeça na quina da porta e deixou com que gotículas de chuva batessem em suas bochechas, já quentes de tanto prender o choro.
Olhava pelo espelho retrovisor, como se o mero ato de olhar para a estrada pudesse levá-la de volta.
-Você pensa que eu não sei como você se sente, Linda, mas eu sei. Sei que mudanças amedrontam você. Eu também tenho receios, filha. Mas juntas podemos enfrentar isso.
Linda lambeu os lábios e respirou fundo. Um gosto amargo invadiu sua boca quando a bile subiu por sua garganta. Não, você não sabe! Pensou a menina, fechando com força os olhos como se aquilo pudesse calar a voz de sua mãe.
Cecilia passara a viagem toda tagarelando sobre as maravilhas de uma vida nova. Sobre novos desafios, como Linda poderia fazer novos amigos e conhecer pessoas interessantes. Diferentes daquelas que conhecia – Quem sabe você não conheça algum garoto atlético, hem?! – perguntou a mãe com aquela voz sugestiva que ela não suportava.
O relacionamento com Taylor já não ia bem, mas isso não era motivo para fazê-la se mudar, ainda mais num período tão próximo do Natal. Essa já não era a data predileta da garota desde a morte de seu pai, quando tinha 10 anos, e hoje, seis anos depois, isso não mudara. Linda percebia o Natal como algo frio e calculista. Suas noites natalinas se suavizavam com a presença dos amigos, que se reuniam após a meia noite, no jardim de sua casa, para comemorarem juntos. O rito se repetia no ano novo. Um jeito que os amigos encontraram de não deixar a menina se afundar na tristeza do fim de ano.
Agora, Linda se perguntava como sobreviveria nesse período sem as gargalhadas amigas e sem o abraço quente e reconfortante de Taylor. Fechou os olhos mais uma vez, na esperança de afastar o fantasma do medo que enregelava seu coração. Engoliu o frio na barriga e enxugou o suor da testa.
Quando, enfim, chegaram a nova casa, a menina ergueu o capuz sobre a cabeça, colocou os óculos e respirou fundo. Admirou por um momento a entrada da casa. Um longo caminho de pedras e capim bem aparado. Uma casa grande, mas simples- Pelo menos tem terreno para Marvin correr – olhou para o labrador no banco de tras e sorriu afagando sua orelha dourada.
Marvin era o único amigo que pode trazer consigo. Colocou a guia vermelha de Marvin e abriu a porta do carro. Com o labrador ao seu lado se sentia mais corajosa. Explorou a casa na semana seguinte, evitando o assustador momento das aulas. Explorou o quarteirão, o bairro e os arredores. Queria conhecer o lugar antes das aulas começarem. Quem sabe encontrar um gatinho perdido e o adotar. Gostaria de ter algum amigo além de Marvin para dedicar o amor que sentia.
Taylor não retornou suas ligações. Sabia que para ele soara como mentira o fato de a mãe não ter lhe contato sobre a mudança. Engoliu os desaforos e acusações e não correu atras quando Taylor deu por terminado o namoro. O garoto ficara tão magoado que nem dora se despedir quando o caminhão de mudanças chegou.
Linda apenas viu o deslumbre do rosto manchado de lágrimas que a espiava pela janela e desejou profundamente que ele soubesse o quanto ela também estava magoada. Escreveu as pressas no laptop da mãe um e-mail que enviou para seus amigos, contando sobre a mudança, como estava magoada e triste. Foi a única vez que se permitira chorar por conta da mudança.
Como de costume, para espantar os fantasmas da mente, Linda respirava fundo antes de dormir. Permanecia lutando contra a insonia cerca de duas horas, todas as noites, antes de dormir. Mas naquele dia o sono veio rápido. Ela mal encostara a cabeça no travesseiro, quando seus olhos se fecharam.
Sonhou com lindas campinas verdes. Com um castelo imenso, que parecia dourado ao Sol. Sentiu como se pertencesse aquele lugar e não se assustou quando um leão, dourado como ouro, parou ao seu lado.
Sem se assustar, ergeu a mão e repousou-a sobre a espessa juba que cintilava ao por do sol. Se sentou e assistiu o espetáculo ao lado do Grande Leão. Havia tanta calma naquela presença que nem se admirou quando o felino abriu a boca e, ao invés de um rugido, falou tranquilamente.
- Há tanta tristeza, dor e dureza em seu coração minha criança!
- Eu sei, Senhor, mas não sei de onde isso veio e nem sei como me livrar. Queria apenas meus amigos de volta. A casa onde cresci e o sorriso de Taylor ao brincar com Marvin.
Enquanto proferia essas palavras, Linda se questionou porque havia chamado o leão de senhor.
- Você sabe que sua mãe tinha razão ao dizer que as vezes mudanças são boas.
- Sim, eu sei. Mas ainda não vi nada de bom nessa.
E grandes lágrimas desceram dos olhos castanhos da garota, que se surpreendeu ao sentir aquela imensa língua lamber seu rosto, enxugando suas lágrimas. Quando ergueu os olhos, viu que o leão também chorava.
- O Senhor também perdeu alguém a quem amava?
Como se sorrisse o Leão respondeu:
- Perder, criança, sei muito bem o que significa perder. Mas essas lágrimas são porque sinto sua dor. Você não me é estranha. Uma rainha sempre será rainha, Linda. Mas antes que você entenda o que isso quer dizer, enviarei uma surpresa pra você. Alguém que também sabe como é carregar um peso tão grande dentro de si. Por hora, apenas descanse, minha pequena. O natal está chegando, muitos comemorarão minha existência, outros, apenas o Papai Noel. Eles esqueceram de mim, então você sabe que eu sei como é perder alguém.
Como se um lampejo de entendimento tivesse atravessado sua mente, a boca da menina se abriu em surpresa e o Leão riu.
- O Senhor nasceu no Natal?
- Bem, é quando vocês humanos comemoram meu aniversário. Mas nesse Natal, minha criança, meu maior presente é que você veio até mim. E eu lhe darei um presente. Apenas descanse em mim, pequena, e logo você estará na terra a que pertence.
Linda repousou a testa sobre a juba dourada e deixou as lágrimas de dor verterem prodigiosamente sobre seu rosto. E as lágrimas se tornaram de alegria, como se o Leão tivesse tirado de seu peito toda dor e tristeza.
Lambidas molhadas despertaram Linda naquela manhã. Nevava lá fora, um clima melancólico que colocaria a menina em um estado de profunda tristeza. Mas linda observava por entre sua janela e não acreditava no que sentia.
Seu coração estava menos pesado e o cheiro que estava em seu quarto era tão real. O mesmo cheiro que vinha da juba do Grande Leão. Ainda tentando entender o sonho, a menina calçou as pantufas de coelho e desceu as escadas. Se serviu do leite quente e sucrilho que a mãe havia deixado na bancada da cozinha e leu o bilhete. ‘Volto logo, fui fazer as compras pra ceia’. Como sempre, Cecília deixara as compras pra última hora.
Enquanto pensava seriamente em voltar para cama e dormir agarrada a Mavin, a campainha da casa soou alto e estridente. Era a primeira vez que linda ouvia a campainha ser tocada. Olhou bem para sua imagem refletida no espelho da entrada: cabelo amassado, pijama verde, velho e rasgado. Ah, não deve ser ninguém importante, só o carteiro.
Mas linda havia esquecido que era sábado O correio não trabalha dia de sábado Abriu a porta e se deparou com uma brisa quente, como a da primavera soprando em seu rosto. O cheiro do Leão invadiu sua casa e a sua frente, um garoto de olhos escuros, profundos, sérios, como se aquele rapaz já tivesse vivido muito mais do que sua idade aparentava, cabelos escuros e um sorriso torto no rosto.
- Nossa mãe soube da sua mudança e preparou esse bolo como presente de boas vidas. Eu sei que pode parecer atrasado, mas ela considerou inapropriado incomodá-las nos primeiros dias de mudança. A propósito, me chamo Edmund Pevensie, sou seu vizinho da porta da frente, além do bolo trouxe uma lembrança de natal.
Chocada com a presença do estranho, porém lindo, rapaz a menina gaguejou e perguntou se ele não gostaria de entrar. Assim que Edmund Pevensie cruzou sua porta, a menina ouviu uma profunda voz dizendo: Feliz Natal, pequena e Bem Vinda a Nárnia.
OBS: quando seu coração estiver triste e frio, lembre-se que “coisas extraordinária acontecem a pessoas extraordinárias!”
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Kamila Mendes
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