“Apesar da chuva que caía torrencialmente, fui atingida em
cheio pelo cheiro de sangue que caia sobre o campo. Minha espada, conhecida
como a Fúria das Estrelas, estava banhada nesse líquido denso e vermelho e, a
cada golpe que eu dava, mais desse fluido jorrava. Na verdade, quando você está
em uma batalha não há muito tempo para pensar, você só reage. Quando se está
com uma espada na mão, a única coisa em que se pensa é em atacar. Os movimentos
se tornam automáticos e você só sente que precisa se defender e proteger aquele
que ama.
Caspian está do outro lado do campo de batalha, cercado por
cerca de sete homens com espadas em punho, todos lutando contra ele, tentando
derrubar o rei de Nárnia. E eu também estou cercada. Não tenho como chegar até
meu rei e desesperada começo a brandir a Fúria das Estrelas bem alto e então
minha espada começa a cantar para mim: uma canção de morte e sangue (como diria
o personagem principal da Saga Otori). Ouço o grito de Caspian no mesmo instante
que golpeio um soldado inimigo entre as costelas.
Começo a correr para alcançá-lo e então acontece um
terremoto, mas nem todos sentem. Só eu estou sendo sacudida e mais uma vez ouço
sua voz: Princesa, princesa! Corro o mais rápido que eu posso, mas caio dentro
de um buraco escuro e começo a gritar. Quando finalmente vejo a luz, Caspian
está ali, me segurando em seus braços! Foi só mais um sonho!”
Então Caspian a abraça o mais forte que ele pode e em seu
rosto há preocupação genuína:
“ – Esse pesadelo foi pior que os outros. Você não queria
acordar, meu amor!”
Assustada, você levanta confusa. Olha ao redor do quarto e
se dá conta que foi sim um pesadelo. Mas uma voz profunda em sua cabeça a avisa
“Está mais perto do que você pensa!”
“ – Fúria das Estrelas!”
“ – O que? O que você disse, minha princesa?”
“- Fúria das Estrelas, Caspian! Esse é o nome que vou dar a
espada que você vai forjar para mim!”
Os sonhos tem se repetido nas últimas duas semanas. E a cada
noite eles se tornam mais reais. Começou com rumores de guerra dentro do
palácio e você sempre acordava quando um mensageiro trazia em suas mãos uma
carta endereçada ao rei. Agora, dentro do sonho, você luta lado a lado com
Caspian. Suzana também está lá, mas o seu papel não aparece definido no sonho.
O sangue rega o sonho na mesma medida que o seu se esvai quando está acordada.
Caspian está preocupado. Há semanas você treina sem nenhuma
reclamação, como se sua vida dependesse disso, e de fato depende. A cada dia
sua perícia com a espada aumenta e você decide não somente usar a espada, mas
pensa que adagas seriam interessantes, bem como facas.
“ – Princesa, adagas e facas são para guerreiros destemidos.
Não estou com isso dizendo que és medrosa ou covarde, pelo contrário: és a
mulher mais corajosa que conheço. Mas tais armas são perigosas, um descuido e
elas se voltam contra você!”
“ – Meu rei, eu bem sei que um inimigo pode usar minhas
adagas e faca para me ferir. Mas em uma batalha, quando sua espada é arrancada
de sua mão, só lhe restam duas opções: lutar com os punhos, e eu sou mulher,
logo não tenho força alguma contra um homem, ou lutar com armas pequenas, porém
letais!”
Com esse argumento você convence o rei a lhe ensinar a usar
as adagas e a faca. Para a surpresa do soberano, as adagas mais parecem um
prolongamento de seu braço do que meras armas de combate corpo a corpo. A faca
se ajusta bem ao seu estilo de luta e você se sente muito mais segura
empunhando uma espada na mão direita e uma faca comprida na esquerda. Dois
instrumentos de batalha que você usa com elegância para encurralar o inimigo.
Mas para você não bastou somente aprender a manejar tais
artefatos bélicos. A curiosidade sobre combate corpo a corpo aumentou e Caspian
chamou seu melhor guerreiro para lhe ensinar algumas lutas marciais.
O resultado de tanto empenho? Você está se tornando a
guerreira que Aslan lhe mostrou em sonho:
Era seu rosto, mas o corpo estava diferente. Seus braços não
eram mais um acúmulo de pele e sim braços firmes capazes de empunhar espadas,
manejar arco e flecha e ainda derrubar um homem com um só golpe! Seu corpo tem
uma aparência mais forte e seu cabelo está preso em uma longa trança e você usa
sua espada, não pendurada ao lado do corpo como os homens, mas em um suporte em
suas costas, como uma princesa guerreira faria.
Até Caspian não a reconhece mais e, ao contrário do que você
pensava, essa mudança não o afastou de você. Agora ele faz questão de estar
perto em todos os momentos livres. Ao que parece, seu rei está sentindo ciúmes
de seus tutores que tecem elogios a cada evolução sua!
O orgulho no rosto do rei é inegável. A cada instante que
vocês estão juntos ele tem que tocar em você de alguma forma: segurando sua
mão, guiando você com uma mão em suas costas. Colocando sua mão em seu ombro. É
um gesto possessivo, que muito lhe agrada. O sentimento entre vocês tem se
fortalecido conforme o tempo em que passam juntos e ele até aprendeu a ler
algumas expressões suas e você não poderia se sentir mais feliz. É como se seu
coração estivesse inchado de amor!
Sua confiança também aumentou. Não que a presença da Rainha
Gentil não lhe traga ciúmes. Mas é que você não se sente mais ameaçada e nem
submissa a ela. Agora quando vocês conversam ela é obrigada a olhar você como
uma igual.
A segurança e firmeza que você transmite também mudou a
atitude do povo e dos súditos. Agora eles murmuram coisas como “Dizem que ela
pode superar o grande Rei Pedro na espada e que não deixa nada a desejar com o
arco!”
De fato, nas vezes em que Suzana a desafiou o Sr. Texugo, o juiz do
desafio, teve que declarar empate, pois nem com todos os esforços a Rainha
conseguiu superar você. Você não superou Suzana, mas se igualou a ela no arco e
flecha.
“ – Uma oponente formidável. É isso que você é princesa: a
grande surpresa de Nárnia!” declarou a Gentil, após seu último embate!
Apesar de todas as evoluções, os sonhos não se amenizaram.
Eles pioram a cada noite e sempre ao despertar você ouve uma voz dizendo “Está
perto, prepare-se!”
Seu humor continua sarcástico e você se sente diferente, mas
não superior a ninguém. O medo da batalha iminente não permite que a soberba a
alcance. Somente Dr. Cornélio, tutor de Caspian, sabe o teor exato de seus
pesadelos! Para Caspian, você diz somente que seu medo é o responsável pelos
pesadelos. Mas tanto você quanto o professor sabem que os pesadelos têm um
significado, que podem ser um sinal do Grande Leão e que a voz no fundo de sua
mente é do próprio Aslan.
Caspian não entende sua pressa em aprender mais sobre
combate e teme pela vida de ambos e pela sua sanidade!
“ – Meu rei, foi apenas um sonho, não se preocupe. Mas,
quanto a Fúria das Estrelas, por favor, gostaria que o senhor mesmo forjasse
ela para mim. Há um tempo tenho imaginado sua aparência e andei tendo uns sonhos
em que o via em uma forja e você erguia uma espada reluzente, seu brilho era
tão intenso que chegava a cegar momentaneamente. Era como se as estrelas
estivessem tão furiosas a ponto de seu brilho invadir o dia claro. Por isso a
chamei, no sonho, de Fúria das Estrelas.”
Como um bom narniano, mesmo tendo nascido telmarino, Caspian
acredita nos sonhos e por isso forjou a espada para você. Essa foi a única vez
que um rei fez o trabalho de um servo e por isso a espada tem um significado
mais profundo: ela se tornou não só um instrumento de defesa, mas a prova da
confiança e do amor que o seu rei tem por você!
Quando a recebeu das mãos do seu rei, em um momento solene,
você sentiu como se uma espécie de poder fluísse de você para espada e dela
para você, como se fosse o amor de Caspian e o seu se unindo para proteger a
ambos de um perigo iminente.
O nome Fúria das Estrelas era perfeito: a primeira vez que
treinou com ela, seu brilho ofuscou os olhos do oponente e esse não conseguiu
prever o seu golpe!
“ – Desculpe, meu amor, não quis machucá-lo!”
Caspian estava com a mão esquerda sobre o antebraço direito
e sorria ao dizer: “ – Você tinha razão ela brilha como se uma constelação
inteira estivesse em fúria, eu nem pude dizer de onde tinha vindo o golpe!”
Os dias se seguiram e seu treinamento evoluía a olhos
vistos. Você já não tinha vergonha das roupas sujas de suor e lama, pois elas
significavam seu progresso. Mas apesar de tanto êxito no combate, você e Dr.
Cornélio ainda não sabiam muita coisa do motivo que trouxera Suzana a Nárnia.
Por diversas vezes vocês conversaram, mas a rainha sempre
deixou claro que não pretendia falar do porque está em Nárnia. Mas a Gentil,
sempre deixou escapar um sorriso malicioso e genuíno.
“ – Professor, não é possível que não tenhamos descoberto
nada! Já somam-se três meses de pesquisa e nada concluímos!”
“ – Princesa, tenha calma. A verdade aparecerá. No momento
me preocupo mais com o significado de seus sonhos do que com Suzana. Na verdade
começo a crer que eles tem alguma relação com a rainha!”
Ao som da palavra sonho, um mensageiro entra pelos portões e
anuncia:
“ – Uma carta, uma carta endereçada ao Rei de Nárnia,
Caspian X, o Navegador!”
Ao mensageiro é permitido que adentre o castelo. Você e o
professor se olham e uma única lágrima brilha nos seus olhos e você pensa “Está
começando!”
Você e o professor correm para a sala de reuniões, mas não
lhes é permitido ficar: ele é só um mero professor e você ainda não é rainha e
Caspian não solicitou sua presença.
A ansiedade toma conta de seu ser ao perceber a presença de
Suzana na sala de reuniões e a voz mais uma vez a alerta: “ – Prepare-se, já
começou!”
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Kamila Mendes
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