sábado, 30 de junho de 2012

“Quero ser como você!”


Limpava as lágrimas que manchavam sua maquiagem. Era uma tentativa inútil de mascarar seus sentimentos. Carmem passava a ponta de seus dedos pelas bochechas manchadas, enquanto segurava, com a outra mão, o pó compacto. Retocar por fora para esconder por dentro.

Ouvia a plateia lá fora. Seria mais uma apresentação. Mais um dia em que fingiria felicidade enquanto o público fingiria gostar dela. “Porque, na verdade, é isso. Eles amam uma imagem criada em sua cabeça. Alguém perfeito, que não se parece nada comigo”. Pensou em não aparecer hoje. Pensou em levantar, dar as costas a tudo e simplesmente sair. Precisava de tempo para pensar.

Há muito engolia a dor que transbordava dentro de si. Doía, mas Carmem sorria. Era melhor dessa forma, mas fácil talvez. Ela não sabia dizer. Mas nunca entendeu o que se passava com ela. Sabia, sim, que faltava algo. Alguém. Buscou em lugares imundos e sórdidos, se acalentou em amores. Fez amigos mais falsos do que as mentiras que contavam.

Drogas se tornaram seu refúgio e o palco já não preenchia seu ser. O teatro foi um esconderijo interessante. Durou mais que os outros e ela se sentia feliz por viver, ao menos por pouco tempo, a vida de outra pessoa. Mas, assim como os demais artifícios, passou.

Sem querer Carmem construiu uma carreira sólida. O prazer que tinha em interpretar permitiu que vivesse com intensidade cada papel. Ela se sentia viva. Peça após peça, Carmem cresceu como atriz. Mas, à medida que crescia em sua carreira, se sentia morta por dentro. “Que contradição bizarra é essa? Tanta gente lutando pela carreira dos sonhos e eu tenho, mas não sou feliz!”

Felicidade sempre foi um nome desconhecido. Desde a infância quando morava com sua mãe alcoólatra abusiva, jurou não ser igual e agora se olhava no espelho vendo apenas uma sombra daquilo que queria ser, que deveria ser. Se arrependeu de ter jurado. Se arrependeu de não ter dito adeus.

O sinal vermelho acendeu, anunciando que deveria voltar ao palco. Vestiu o figurino. Se revestiu da personagem. Pôs um sorriso estonteante no rosto e subiu no tablado. A luz incadescente ofusca sua visão. Não via a plateia e não a queria ver de verdade. Fechou os olhos e imaginou uma criança sorrindo, sentada na primeira fileira, balançando os pezinhos, feliz por assistir sua primeira peça. Sorriu quando a plateia aplaudiu e a garotinha sussrrou: “quero ser como você!”

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Kamila Mendes

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