sexta-feira, 1 de junho de 2012

Estilhaça-me - Tahereh Mafi


Meu toque é poder

Juliette nunca foi uma garota normal. Desde pequena seus pais descobriram isso. Impossibilitada de tocar em qualquer outro ser humano, a menina passou a vida sendo tratada como um pária da sociedade, um monstro. Não foi de se estranhar o alivio de seus pais, quando o Restabelecimento a levou de casa. 

A personagem principal de Estilhaça-me, obra de Tahereh Mafi, tem uma maldição, como a própria Juliette define, ou um poder, um dom pela ótica de seu antagonista Warner: ela não pode tocar. Qualquer pessoa que entre em contato físico com a protagonista, mesmo que mínimo, está sujeito a uma dor excruciante e, até mesmo, a morte.

Estilhaça-me é uma obra que aborda um clima de ficção tenso como só visto nas realidades alternativas dos HQ’s de X-men. De fato, a personagem é facilmente comparada com Vampira, mutante cujo principal poder está em seu toque: a moça mata em segundos ao tocar outra pessoa. 


O livro é ambientado em uma realidade distópica (cada vez amo mais esse gênero): a Terra finalmente entrou em colapso pelo consumo excessivo de seus recursos naturais. As florestas se resumem a arvores espalhadas esporadicamente, a pouca grama que existe possui um tom amarelado e doentio. Os animais estão morrendo de fome ou envenenados. Pássaros voando são mito.

Os seres humanos, famintos e desesperados, se deixaram conduzir por um novo governo ditatorial que prometeu paz, alimento. O Restabelecimento excluiu da sociedade os fracos, velhos e perigosos como uma promessa de que seria temporário. A comida é racionada e o exército patrulha as ruas em busca de focos de rebelião. Esse é o mundo onde nasceu Juliette. A personagem viveu os primeiros anos de implantação do Restabelecimento antes de ser considerada perigosa pelas autoridades e ser exilada do mundo no manicômio.

Com frases grifadas, representando os pensamentos e desejos que a menina tem e não pode exteriorizar, ou que não deveriam existir, Mafi desenvolveu uma narrativa eletrizante que prende o leitor desde a primeira frase. A principio o estilo da Tahere causa desconforto, com palavras repetidas diversas vezes e sem vírgulas, demonstrando a intensidade e urgência de pensamentos e sentimentos de Juliette.

Trancafia em uma cela de 1,48 m há 264 dias, Juliette sente dificuldade em distinguir o que é real do imaginário. Lutando contra insanidade, a personagem de Tahereh Mafi muitas vezes se encontra a beira da loucura. Essa característica fica bem clara desde a primeira página do livro.

Juliette está a beira da loucura, sua companhia se resume a um caderno amarrotado, uma caneta quebrada e os números que rondam sua mente. O único contato com o mundo exterior é através de uma pequena janela em sua cela que lhe permite olhar o céu. Durante a noite a garota sonha com um pássaro branco, com uma coroa dourada, que irá libertá-la. Eis um ponto importante, que, aparentemente, é apenas um delírio de uma mente perturbada, mas preste atenção há um motivo para ele. Parágrafo após parágrafo Juliette se lembra de sua monstruosidade, até que ela se torna palpável, no dia que jogam Adam em sua cela.

Em um momento de desespero mental, a menina se tortura pelo fato de seu parceiro ser um rapaz e sua dor fica tangível ao leitor toda vez que ela, exasperada, descreve a dor de nunca ter sentido um toque humano, nem mesmo de sua mãe. E seu parceiro é também um conhecido. De enlouquecer qualquer um. Eu surtei quando jogaram Adam na cela de Juliette, maldade mesmo.

Adam é uma figura misteriosa fala pouco de si mesmo e muito sobre o que o Restabelecimento vez com a sociedade. Neste ponto me deparei com uma sociedade a lá V de Vingança. Cheio de perguntas, mas sem nenhuma resposta as indagações de Juliette. Adam é encantador dentro de seu tipo forte e meigo, bom rapaz, capaz de fazer coisas ruins em nome de algo maior.

Como toda história de amor precisa de um rival, surge na história Warner. Figura que causa empatia e revolta. Em muitos momentos você chega a acreditar que Warner de fato não é um vilão, outras que ele é um doente mental e que devia está no manicômio e em uns ele simplesmente causa repulsa. Disposto a tudo para ter o poder de Juliette a seu alcance, Warner transforma a vida da moça em um inferno, colocando-a diante do que ela mais repudia: seu horror por machucar pessoas.

O propósito de Juliette é provar a si mesma que não é um monstro, o de Warner é mostrar que ela tem um poder estupendo que pode ser usado em uma finalidade maior. O desfecho da história cai um pouco no lugar comum, mas sem deixar de manter o ar de tensão do início, o que acaba decepcionando alguns. No meu caso deu uma queda na intensidade, mas não tornou o livro menos brilhante.

Em Estilhaça-me não encontramos o lugar comum de ‘nada é o que parece ser’ os personagens são bem distintos, a única exceção a regra é Adam, que se torna uma incógnita até revelar o porquê de sua simpatia, amor e desejos intensos, e repentinos, por Juliette.

Kamila Mendes




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