Nos dias que se seguiram àquela conversa, Caspian a apresentou ao mágico mundo dos espadachins e sua reação não poderia ser diferente: você reclama das surras, mas o obedece e a cada dia se apaixona mais ainda por esse rei, que tem mais facetas que um dado e que insiste em lhe ensinar, o que realmente a surpreende, levando em consideração sua tendência a não aprender nada com facilidade.
“ – Vamos, mais uma vez e nós terminamos por hoje!”
“ – Você disse isso nas duas últimas vezes! Isso é realmente necessário? Sério, pense bem, se fosse de fato acontecer uma guerra nós já teríamos ouvido algum rumor. Você não acha?”
“ – Princesa, nós já discutimos isso tantas vezes! Vamos, só mais essa vez!”
E bufando, você prossegue com o treinamento. Já somam-se quatro dias que você está aprendendo a manejar uma espada e a tarefa não fica nada fácil com o passar do tempo. Na realidade, suas costas doem por conta da postura ereta e que você deve assumir a fim de evitar uma estocada, se essa puder ser evitada apenas se desviando. Seus ombros estão doídos do esforço de mantê-los retos enquanto executa uma série complicada de movimentos, que sempre começam com você tendo que jogar rapidamente a espada de uma mão para outra.
E por fim, seus pulsos. Estes pequenos alicerces de suas mãos estão inchados, doloridos e com um tom enjoativo de verde que a cada dia vai se tornando roxo! Mesmo sabendo que está sentindo dores por todo corpo, Caspian insiste em continuar com o treinamento no mínimo três horas por dia. Na verdade, se dependesse da disposição dele, vocês treinariam por cinco horas. Tempo esse, que segundo o Rei, ele mesmo dedicava ao treinamento de combate!
“ – Às vezes, tendo a pensar que você esquece que sou mulher, ou quase uma, quando está empunhando uma espada!” você o alerta aparando um golpe realmente perigoso, que se, caso você não tivesse sido rápida, poderia ter deixado um imensa cicatriz no lado esquerdo de seu rosto, justo o melhor lado para ser fotografado.
“ – Eu não me esqueço, vossa graça!”, diz Caspian executando um movimento que, para você, mas parece um passo de balé misturado com piruetas. Mas, enquanto você avalia os movimentos graciosos de Caspian, ele lhe surpreende: em um momento ele está diante de você com a espada cruzada com a sua em pleno ar, e, em outro momento, ele gira o corpo de forma rápida, e então a lâmina da espada real está pressionando o seu pescoço e, sem que ao menos você tenha percebido, sua espada jaz no chão sujo e enlameado!
E então Caspian continua: “ – Eu não me esqueço e na realidade não gosto de machucar você. Mas se fosse um inimigo que estivesse em meu lugar, você não teria nem tido tempo de gritar. Na verdade seu corpo estaria separado há cerca de meio metro de sua bela cabeça!”.
E, ao terminar essa maravilhosa aula, que lhe rendeu cerca de vinte novos hematomas, ao menos você parou de contar quando chegou no vigésimo, você pensa isso com o máximo de sarcasmo possível, o rei retira a lâmina delicadamente de seu pescoço e gira seu corpo para que vocês fiquem frente a frente:
“ – Odeio machucar você. Não suporto olhar todos esses hematomas e saber que sou eu que os causo, mas eles são um mal necessário!”. Ele então beija um pequeno circulo verde na sua testa e você percebe que nem sequer sabia que esse machucado estava ali.
“ – Vinte e um!” você pensa em voz alta e continua com um suspiro profundo: “ – Eu sei que essa tarefa não lhe agrada muito, apesar de que às vezes você parece gostar de se exibir com a espada. E eu também entendo que é necessário. Mesmo que não hajam inimigos tão próximos, penso que é sempre bom que uma princesa saiba defender-se quando não houver mais ninguém para fazer isso por ela!”
Então você abaixa a cabeça para esconder sua vergonha e assume em voz alta:
“ – Também sei que não tenho sido a aluna exemplar do século. Sei que não tenho facilitado as coisas para você e sempre estou reclamando. Mas a verdade é que a lutas sempre parecem tão fáceis quando são os outros que estão lutando. Quando vejo você em ação sinto como se você já tivesse nascido com uma espada na mão, enquanto eu, bom veja por esse ângulo: é como se eu tivesse nascido com um garfo com uma boa porção de macarronada nele! Admito que sou uma aluna realmente ruim!”
“ – Você não é uma péssima aluna. Você tende a aprender rápido, principalmente quando executo um movimento que a intriga. E também não precisa se cobrar tanto. Lembre-se que, para que eu chegasse até aqui, tive que treinar desde muito cedo. Inclua nesse muito cedo a imagem de um garotinho de seis anos de idade segurando um bastão de madeira treinando com o general do exército telmarino e apanhando nas mãos toda vez que errava. E eu não sou tão bom assim. Se você quer alguém que tenha nascido com uma espada na mão, imagine o Grande Rei Pedro em ação e então você terá uma boa noção de um espadachim exemplar!”
Como se o nome de um Pevensie fosse uma trompa soando, você a vê: majestosa, caminhando no gramado verde, vestindo um vestido de alças finas, ótimo para o dia quente que está fazendo e ela está vindo em sua direção, e mais uma vez você imagina como os servos do castelo as comparam: Suzana está atravessando a área de treino em um vestido deslumbrante, com os cabelos cuidadosamente penteados. O rosto é uma máscara de tranqüilidade e bondade.
Enquanto você, bom você está enfiada em uma calça de homem, usando uma bota que vai até a altura do joelho, sua blusa está amarelada de suor, poeira e um pouco de sangue. Hematomas se espalham por todo o seu corpo, seus cabelos estão cheios de pedaços de grama e areia e suas mãos estão deploráveis. “Ah, um buraco bem fundo! E sem saída nem entrada, dessa forma ninguém me tiraria de lá!”, você pensa no auge da humilhação.
“ – Majestade, vossa graça está esplêndida, como sempre!”. Diz Caspian em seu tom mais educado, porém frio.
“ – Obrigada, meu Rei. Vejo que vossa graça está ensinando a princesa a lutar.”
Ao falar isso Suzana a avalia dos pés a cabeça e sorri! Agora parece que toda simpatia que você sentia por ela se esvai junto com todo sangue do seu corpo. Antes que você possa responder em seu tom mais mal educado possível, Caspian intervém e responde:
“ – Sim, majestade, estou ensinando-a a defender a si mesma caso haja alguma emergência. E ouso dizer que minha princesa aprende bastante rápido e logo, logo teremos uma grande espadachim em Nárnia!”
Você responde ao tom de orgulho na voz de Caspian com um sorriso bobo que o deixa feliz e põe no rosto da Gentil uma expressão nada amigável!
“ – Mas me diga, majestade, o que traz vossa graça a uma área de treino com espadas?”
“ – Nada exatamente importante. Estava apenas pensando... Qual o motivo verdadeiro por traz desse treino todo! São apenas indagações, é claro!”
“ – Bom... eu apenas quero garantir que minha noiva e futura esposa saiba se defender quando eu estiver fora. É somente isso minha rainha, mais nada!”
Então finalmente você parece encontrar a fala, perdida momentos atrás com a chegada de Suzana.
“ – Muito observadora, princesa. Bom, senti saudades das época em que treinava e decidi praticar um pouco. Nada de mais como pode ver!”
“ – Então, se vossa graça me permite, preciso me retirar. A hora do almoço está chegando e não quero me apresentar nestas condições à refeição!”
Com um meneio de cabeça, Suzana confirma não ter nada contra sua partida. Você se curva em uma mesura e se retira. Enquanto caminha, milhões de pensamentos se chocam dentro de você: “Suzana não foi ali por estar com saudades de treinar. Todos em Nárnia sabem que, nas poucas guerras em que participou, o fez obrigada pelas circunstâncias. Nunca foi do feitio da Gentil treinar para participar abertamente de uma guerra e para quê treinar, quando se tem um arco que nunca falha?”
Seus pensamentos foram interrompidos quando uma mão gentil, porém forte agarrou a sua de forma carinhosa. Você se vira sobressaltada e respira aliviada ao ver Caspian sorrindo para você!
“ – Um beijo pelos seus pensamentos, minha princesa!”
“ – você não precisa de meus pensamentos para poder me dar um beijo, meu rei!”
Vocês riem e após um beijo suave, Caspian continua:
Com uma gargalhada sonora, você responde: “ – E como os ombros podem ficar pensativos? Isso é impossível!”
“ – Bom, eu não sei. Mas os seus estavam bastante pensativos para mim!”
“ – E você, apesar da boa corça que me deu durante o treino, está bem humorado hoje!”
“ – Aprecio o tempo que passamos juntos. E os treinos me proporcionam mais oportunidades de conhecê-la melhor!”
Com um sorriso gentil e feliz em seu rosto, você pergunta sem pensar que a indagação pode estragar esse clima de romance.
“ – Caspian, o que de fato aconteceu entre vossa majestade e a rainha Suzana no passado? Às vezes sinto como se existisse um mágoa tão grande entre vocês. E a própria Suzana tende a demonstrar uma espécie de rancor!”
“ – Meu amor, eu não gosto de falar sobre isso e o que aconteceu todos sabem: Suzana foi para o seu mundo e eu fiquei! Só isso!”
Com um olhar investigador, você olha nos fundos daqueles olhos negros e de alguma forma você sabe que, no fundo daquele olhar tão decidido, existe alguma coisa ou momento que feriu tanto ao seu rei, quanto a Gentil!
“ – Se você não quer falar, por mim tudo bem. Só não me esconda nada. Eu não posso viver uma vida ao seu lado estando na escuridão dos fatos. Se for alguma coisa que pode comprometer minha vida como sua esposa e até como rainha eu preciso saber!”
Como é de costume do seu rei quando algo realmente o incomoda, ele suspira fundo, joga a cabeça para trás e observa o céu azul por um momento tão longo que você pensa que ele está praticando uma nova técnica de alongamento, uma que faz com que o sangue todo desça para o pescoço!
Ele, então solta sua mão, volta o rosto para o seu e, com uma expressão que você não consegue decifrar, indica o banco do jardim mais próximo com a cabeça. Vocês caminham pelo gramado bem aparado até chegarem a um banco feito de um mármore puríssimo e se sentam em absoluto silêncio. Você pensa que estragou todo o momento romântico que viveram há minutos atrás e reflete se não é dona de algum tipo de dom capaz de estragar momentos bons e felizes por pura curiosidade.
Como se lesse sua mente, Caspian responde:
“ – Às vezes sua curiosidade nos atrapalha, sabia? Não precisa baixar a cabeça com vergonha. Uma rainha jamais se envergonha daquilo que pretende fazer. Ela pergunta e espera obter a resposta e só. Nada de vergonha!”
“ – Me desculpe, meu rei, pela falta de jeito e por lhe deixar desconfortável. Prometo não mais lhe fazer passar por isso e tentar me manter além da vergonha!”
“ – Não se desculpe. A culpa é minha. Fui eu que afirmei querer ser seu amigo. E os amigos fazem isso afinal, contam histórias sobre suas vidas, não é?!”
Então o rei começa a esfregar as mãos, um gesto de puro nervosismo, que você nunca vira antes. Olha nos seus olhos como quem diz “Você não vai gostar nada disso!” e dá início a uma explicação que põe seu coração no chão.
“ – Você, minha princesa, sabe que minha mãe morreu quando era bem pequeno e que meu pai foi assassinado pelo próprio irmão. Também sabe que o assassino me deixou viver apenas por não ter um filho e, no dia que minha tia concebeu um menino, ordenou minha morte. Pois bem, é fácil deduzir que a palavra amor é nova para mim. Na realidade a conheci há três anos quando, sem saber muito bem o que fazia, toquei a trompa da Rainha Suzana. Foi um ato desesperado, mas o fiz!”
Respirando fundo e olhando para o horizonte, aliás, olhando além do horizonte ele continua.
“ – Não acreditei de verdade que a ajuda viria, muito menos que viria na forma dos antigos reis e rainhas de Nárnia e quando a vi... foi como se um canhão estivesse estourado em meu peito... nunca ninguém havia sido gentil comigo antes, ou cortez. Havia apenas aquela educação fria e cautelosa que me fazia sentir mais com um hospede indesejado do que como sobrinho querido! E então ela sorria para mim e se importava comigo. Quando as brigas com Pedro se tornavam algo insuportável, era ela que vinha sentar e me reconfortar. Foi com ela que eu aprendi a amar e ser amado, no sentido mais literal da palavra...”
Com um olhar vazio e cheio de frustração ele continua:
“ – E então ela foi embora... Me deixando apenas com um beijo e um reino inteiro para erguer, ela partiu sem nem olhar para trás. Entendo que foi uma ordem de Aslan, mas ela não disse que sentia muito, ou que desejava permanecer. Senti com se tivesse construído sozinho um castelo de sonhos em um monte de areia e um vento forte soprou, levou o sonho embora e me deixou com uma dura realidade: acabar com as insurreições que borbulhavam por todo reino e convencer o povo de que eu poderia reinar! E o que eu encontrava quando a noite chegava? Nada, princesa. Nada vezes nada!”
Ao terminar de falar uma lágrima escorreu pelo rosto de Caspian e você se desculpa em voz baixa: “ – Não queria fazer você se lembrar de algo tão ruim. Não era minha intenção. Me perdoe, por favor!”
Caspian a olha novamente e a sombra de um sorriso brinca em seus lábios.
“ – Mas então a necessidade de uma esposa chegou. Não esperei realmente me apaixonar pela candidata. Mas Nárnia precisa de um herdeiro e não encontrei entre as telmarinas nenhuma moça com dignidade o suficiente para reinar sem subjugar o povo e então encontrei você e me parece que meu coração voltou a sorrir de novo! Você, princesa, é a maior e melhor surpresa que Aslan me fez. Obrigado por ter aceitado meu convite!”
Seu coração dá saltos de alegria, se parecendo mais com um atleta olímpico do que com um órgão de movimento involuntário. Você se levanta e se posta diante dele. É sua vez de tomar o rosto do homem que você ama nas mãos.
“ – A surpresa foi minha: de descobrir que contos de fada existem e que o rei se encantou por mim! Nada é mais importante do que esse sorriso lindo que seguro em minhas mãos agora. Nunca deixe que ele se apague, pois no dia que isso acontecer meu coração se apagará com ele!”
Caspian se levanta e a beija, com tanto carinho e amor que você pensar poder sufocar, mas isso não a preocupa, pois você sabe que esse homem nunca deixaria nada de errado acontecer a você!
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Kamila Mendes
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