Por entre lágrimas, muitas vezes ela se perguntou porque
aquela dor insistia em corroer seu peito. Porque as lágrimas caiam
insistentemente e seu instinto de autoproteção estava tão abalado!
Deitava a noite e pensava nas frases e declarações de amor
tão perfeitas. Quando a boca
amada se calou e trocou palavras de amor e afeto por sorrisos hipócritas e de
escárnio? Quando a vida ficou de ponta a cabeça, a ponto de trocar a segurança
do carinho amigo, pelo amor de um estranho? Quando os braços protetores se
tornaram mãos violentas.
Atitudes matam e palavras cortam, mas ele não percebeu. Ele não
quis perceber. Se escondeu por detrás de sorrisos falso e atenção afetada,
deixando ela, outrora alvo de seu imenso amor, hoje apenas um leve e irritante
passatempo, a derramar sua alma em um deserto onde não mais brotaria a flor do
amor.
Ela chorou. Gritou. Rasgou sentimentos. Quebrou promessas. Se
olhou no espelho e não mais se reconheceu. Ela já não estava ali. Então, quem
era aquela que vestia sua pele e colocava sorrisos vazios em seu rosto e gestos
frios em suas mãos? Uma impostora que tentava desesperadamente preencher o
buraco deixa pela sua ausência.
Se olhava como de um espelho. Via vida como se já não a
vivesse e apenas fluía pelos dias, pelas horas. Apenas sorria pelo dia e
chorava durante a noite. As conversas eram vazias e a solidão era o melhor
local. Até que um dia, sem nem pensar, ela olhou uma flor. As cores vibrantes
outrora apagadas, a suavidade das pétalas, a vida exalada em algo tão pequeno a
fez sorrir.
Encostou a ponta de seus dedos nos lábios não acreditando e
se olhou na janela mais próxima. De fato, estava ali: um esboço de felicidade. Algo
tão sutil e maravilho. Ficou parada no tempo, a fronte franzida em intensa
concentração. Vasculhou o mais intimo de seu ser. ‘Mas afinal, onde estava
aquela dor?’
Ainda estava ali, escondida. Arranhando furiosamente as
paredes de seu ser. Rugia como um animal enagaiolado, mas sua violência, seu
ódio venenoso já não escorria por suas veias e chegava ao coração. Vestiu a
roupa mais leve e calçou os sapatos mais confortáveis. Caminhou sem
preocupação. Procurou o melhor local. Encontrou. Sob a sombra de uma árvore
frondosa, estendeu uma colcha de retalhos contendo todas as lembranças. Sentou-se.
Retirou lentamente uma folha de papel, uma caneta e um livro para apoiar e
escreveu: ‘Olá, pequeno degrau. Hoje é um novo dia...’
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Kamila Mendes
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