Como é não ter que batalhar todos os dias pela sua sanidade, sabendo que haverão dias que sanidade nenhuma fará parte de você? Cara, como é amanhecer sem se sentir triste? Deus, eu desejo saber isso...ter apenas um dia sem mudanças de humor bruscas e sem sentir dores emocionais.
Minha mente, meu coração, minhas emoções e a química do meu cérebro são meus campos de batalha. Me vejo sozinha, olhando para um céu por vezes vermelho com o crepúsculo do dia se aproximando, às vezes negro com tempestades e furacões chegando para transformar tudo em caos. Mas eu sou o caos.
Estou em uma armadura negra, segurando uma espada de dois gumes, também de aço negro, banhada em sangue. Não uso capacete, ele atrapalha minha visão, já tão turva da realidade. Meu cavalo há muito morreu de estafa física e emocional. Olho pra trás e sinto sua falta. Como ele me faz falta, meu animal, meu único amigo, sentia tudo o que eu sentia e a quantidade, a variedade de emoções acabou com ele. Meu coração. minha fantasia.
Adiante de mim, um campo enegrecido pelo fogo de inúmeras batalhas. Fogo. Sempre admirei esse elemento. A vida não existe sem ele, mas ele pode consumir a vida se não for controlado. O fogo de minhas emoções, ora azul, frio e cruel e devastador, ora vermelho flamejante, cruel consumidor voraz, devastou o campo de sentimentos de flores saudáveis.
A pessoa que me encara do outro lado te um sorriso de pura ironia no rosto. Ela não está cansada nem ferida como eu. Sua armadura também é negra, usa capacete porque não tem medo da realidade. Seus olhos tem uma euforia, uma determinação que conheço tão bem. Sua espada está suja de sangue. Então, eu me lembro. Tivemos uma breve trégua, em que eu ousei imaginar, mas não sem temer, que sua raiva havia arrefecido. Ledo engano.
Olho para baixo e vejo, ela não ousou pensar que a guerra havia acabado. Foi apenas uma estratégia para me enganar. Quando veio. Veio sem receios, com espada em mão, girou ao meu redor. Eu indefesa e boba, não consegui reagir. Não quis reagir. Achei que se reagisse seria pior. Mas não reagir já é uma escolha.
Não aparei seu golpe que feriu minhas costelas. Com a mesma rapidez que veio, ela se esquivou de meu golpe lento e pesado, e se distanciou. Está a mais ou menos dez metros de mim, me olhando, sondando, rindo de mim. Minhas emoções, meu eu. Minha pior inimiga.
Seus olhos são meus, sua boca é minha. Seu corpo é meu. Em tudo somos uma. Não se trata de um romance. Mas de uma guerra. Uma guerra interna que se trava todos os dias entre chuvas e trovoadas, raios e terremotos. As vezes as batalhas transparecem em meu rosto, outras não. As vezes tudo acontece enquanto esboço um plácido e calmo sorriso.
Ela está agachada olhando pra mim. Sorrindo, sabendo que agora ela pode ter vencido. Mas o dia não acabou. Ele mal começou. Estou fraca, mas olho pro céu, de onde vem meu socorro. Ele me diz pra não desistir. "Mas Deus, só tu sabes que cansei de lutar e quero desistir". Mas obedeço, porque sei que sem Ele não posso nada. Se Ele diz pra continuar, então eu continuo.
Ela ainda me olha com olhos devastadores. 'Aqueles olhos são meus', eu penso. Os mesmos olhos ruivos sonhadores. Seus sonhos? Ela quer tomar o controle, quer viver o auge de suas emoções sem meio termos, sem auto-controle. Quer viver aquilo que a vida e suas emoções oferecem e eu sei que esse é um caminho do qual muitas vezes não se volta. Meu medo, meu receio, meu pouco domínio próprio são o combustível de sua raiva. De sua ânsia por vingança. São barreiras que estão cedendo aos poucos, mas ainda resistem.
Ela me odeia, quer me vencer. Assumir o controle 'e que se dane o resto', ela pensa. Ela está cansada do julgamento do mundo, lhe dizendo que eu sou fraca por permitir que ela exista. Ela cansou de ouvir isso. De ser recriminada. Antes eramos uma. Existíamos como uma só e era um convívio harmonioso. Ora ela assumia o controle, ora eu...um revezamento estranho, mas que funcionava, de uma forma anormal, mas funcionava. Mas ela cansou de ser controlada. Arrancou a mordaça de seus lábios. Ela quer uma liberdade que não posso dar. Porque sinto em meus ossos os absurdos que cometeremos juntas.
É tão complicado sentir, ainda mais falar. Quem não vive essa guerra não sabe o que é e é muito simples julgar. Mas eu vivo isso todos os dias. Vejo seus olhos quando me olho no espelho. Penso seus pensamentos quando não me agarro com todas as forças ao único lampejo de realidade. Porque minha pior inimiga, minha melhor amiga. Aquela que me desafia todos os dias com seus temporais de emoções, por quem sou apaixonada e não posso deixar morrer, mas com quem luto pra que ela perceba que quem tem o controle sou eu. Ela que me diz o quão fraca sou, o quão frágil é meu governo e que me ama também, mas quer assumir porque é mais forte do que eu sou. Ela sou eu... Eu sou ela. Nós somos uma só. Eu sou ambas.
Não espero que você entenda e nem espero suas palavras de pena, muito menos sua aprovação. Não quero pena. Nem compaixão. Quero amigos de verdade que me amem apesar dessa dualidade. Quero alguém pra me abraçar quando as batalhas acontecerem e meu chão desmoronar. Porque ela... ela sou eu!
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Kamila Mendes
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