Olhava trêmula para a luz bruxuleante da vela. O vento
uivando violentamente lá fora não permitia que a sensação de segurança se
instalasse. O tremor percorria todo o corpo de Anna. Abraçando as próprias
pernas, a garota sussurrava baixinho: “Eles não acertam todas as casas, é como
se fosse uma loteria do azar”. E assim permanecia repetindo, baixinho, como se
fosse um segredo.
Não sentiu o sono se aproximando, a não ser quando,
assustada, abriu os olhos e viu o raio de sol entrando por uma fresta que não
existia na noite anterior. Escutou atentamente e teve medo. Nenhum som, nem de
chuva, nem de vento, nem sirenes, nem choro. Ponderou se deveria se mover,
tinha medo que no menor movimento de seu corpo tudo viesse abaixo.
Se levantou. Sentiu cada junta, cada músculo de seu corpo
doer. Demorou um tempo até que se sentisse segura da firmeza de suas pernas. Jogou
o peso de seu corpo sobre a perna esquerda, equilibrou-se sobre a direita e,
quando se sentiu segura, continuou.
O rangido de cada degrau, sob seu peso, parecia um grito de
alerta ecoando no vazio lúgubre do porão. Pé ante pé, como passos de bebê. Seu coração
quase se rompeu do peito ao alcançar o alçapão que lhe separa do mundo lá fora.
Ao segurar na corda grossa, que servia como maçaneta, respirou fundo, uma,
duas, três vezes e, quando, por fim, tomou coragem, empurrou a tampa.
Foi como milhões de agulhas perfurando sua pele. O peso da
realidade a assolava. Escombros em todos os cantos. Nem mesmo a estrutura ficou
de pé. Ao seu redor, a destruição deixada pela noite de fúria da natureza. Não conseguia
conceber a realidade. Andou pelos escombros, pisoteou telhado e piso, agora
tudo misturado, sem muita distinção.
O sol brilhando, o dia claro e fresco, cheio de promessas
não ditas parecia uma afronta a sua dor. Como se fosse desafiada a chorar,
mesmo com tamanho espetáculo acontecendo diante de si. Mirou o sol e sua
majestade até que seus olhos arderam. Fechou-os momentaneamente e só os abriu
para olhar ao redor... Entre as carcaças do que antes eram casas majestosas,
apenas uma pequena casa de madeira continuava em pé.
Ironia do destino. A única casa não digna daquele luxuoso
bairro foi a única a sobreviver a um furacão. Dois quarteirões de espetaculares
mansões reduzidos a restos, enquanto a pequena e suave casinha ficava em pé. “Eles
tinham razão! Os tornados não acertam todas as casas, é como se fosse uma
loteria do azar!”
OBS: O texto foi escrito por mim e é proibido seu uso ou cópia integral, ou de fragmentos, sem a autorização da autora. O mesmo vale para todo e qualquer conteúdo deste blog que seja de minha autoria. Sua cópia ou uso sem autorização é qualificado como plágio, sendo configurado como crime previsto no Código Penal. O infrator está sujeito as punições previstas no Art. 184 do Código Penal - Decreto Lei 2848/40
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Kamila Mendes
Marcadores: Inspiração