“As mulheres são espólio dessas vitórias”, afirmou o rei calormano quando vocês o recepcionaram e essa frase continua borbulhando em sua mente.
Após as boas vindas, você Caspian e Suzana conduziram o rei Arãn, juntamente com suas esposas até seus aposentos. O ideal seria que ficassem em acomodações fora das muralhas, mas Caspian preferiu observar o inimigo de perto. Suzana não concordou e fez coro com você, quando em um ímpeto de insubordinação, falou que acomodá-los no castelo seria suicídio. O lado bom? Não havia ninguém na sala, além de você, a Gentil e Caspian, dessa forma, não havia motivo para puni-la, afinal, todos sabem que a insubordinação é punida com prisão! É claro que depende do grau de ofensa feita ao rei.
Caspian ficou momentaneamente chateado com sua audácia, mas a raiva do rei não era de fato destinada a você. O rei narniano está andando de um lado a outro da sala de reuniões real. A ira do rei é tanta que chega a desfigurá-lo!
“ – Como pode? Aquele, porco, tratar as mulheres como lixo! E ainda se vangloria disso em minha presença. Quem ele pensa que eu sou? Um moleque? Aliás quem ele pensa que é para trazer escravos para dentro dos portões da cidade?”, com essa última frase, Caspian acerta um murro estrondoso na mesa e continua aos gritos.
“ – Não vou aceitar isso! Se ele pretende ficar que os escravos sejam tratados de forma descente, se não, que os leve para fora das muralhas. Não permitirei esse tipo de ameaça silenciosa a meu povo, a rainha e a minha noiva. Esse tipo de ato é coação, é terror psicológico, é uma atitude digna de um verme e não de um rei!”
Suzana está tão furiosa quanto Caspian, mas ao contrário do rei, ela não explode. Você nem se quer sabe o que está sentindo. É como se uma anestesia geral tivesse sido aplicada em você. Sua única reação é analisar cada momento de forma critica e calculada.
“ – Caspian, é exatamente isso que ele quer. Tirar seu equilíbrio sua capacidade de julgar o que é certo e errado. Gosto tanto quanto você de abaixar a cabeça para esse tipo de barbárie, mas o povo conta conosco. Sejamos sensatos: se expulsarmos os servos desse porco, quero dizer rei, será o mesmo que destratá-lo, ou seja, você estará declarando guerra!”, avalia Suzana.
Caspian se deixa cair pesadamente na poltrona de veludo, joga sua cabeça para trás e observa o teto. Por incrível que pareça, sua frustração é tanta que não há espaço nem para o famoso suspiro do rei.
“ – Meu rei, se vossa graça me permite falar... eu sei que sou a mais jovem aqui e por isso nunca fui chamada a participar de questões como essa, mas creio que o povo entenderá se jogássemos o jogo de Arãn, ao menos por enquanto. Creio que ao senhor cabe se manifestar contra os maus tratos aos escravos dentro de seu território. Arãn não poderá negar seu pedido. Ele é seu hospede, deve seguir as regras da casa. No mais, podemos apenas esperar por seu próximo passo.”, você fala com a delicadeza que o momento e o rei exigem.
Você percebe a mente de Caspian em ação. Ele abaixa a cabeça e encara a vocês duas: a rainha que outrora amou, mas que o teve de deixar e você, sua noiva e futura esposa. Ele está avaliando qual das opções é a melhor.
“ – Tenho as melhores conselheiras que um rei pode querer, pena que elas não concordam em nada!” e suspira. “ – Talvez eu coloque o conselho das duas em prática...Não sei...verei o quê e como vou fazer!”
Então o rei a olha e estende a mão para você. Com todo o carinho que possa ter nesse momento, você anda em direção ao rei e toma sua mão. Caspian a puxa e você cai em seu colo. Ignorando a presença de Suzana, ele a abraça e descansa a cabeça recostada a base de seu pescoço e diz.
“ – Gostaria que você nunca tivesse que passar por isso... Na realidade, gostaria de ser como meu pai. Ele não pensou duas vezes, assim que avistou o exército calormano no horizonte, lançou contra ele toda a força de Teimar. Lançou contra o exército inimigo, catapultas, canhões, homens e cavalos. É verdade que muitos dos nossos morreram, mas ele conseguiu a vitória. Caspian IX nunca permitiria um rei calormano em suas terras, principalmente que este rei ameaçasse sua rainha.”
Afagando os cabelos negros e sedosos do rei, você fala;
“ – Eis aí a diferença entre vocês: ele tinha uma rainha e ela estava grávida. Dois motivos em um. Outro grande motivo: você é mais sensato, sabe que uma negociação garantirá uma paz mais prolongada do que apenas rechaçar o exército inimigo. Eu... eu... eu não gosto de vê-lo aflito. Vamos se anime, Aslan está ao nosso lado e Ele nunca nos abandonará. O Grande Leão sempre vem na hora certa!”
Você se levanta, toma o rosto aflito de Caspian em suas mãos e o beija de forma suave, então ouvem Suzana limpando a garganta do outro lado da sala
“ – Agora que o momento romântico acabou, creio que devemos nos postar em nossos lugares a mesa do jantar. O rei Arãn espera por nós, espera para nos aborrecer mais ainda. Por favor, não o deixem esperando!”, reclama Suzana com um tom de voz áspero.
Sorrindo você afasta, mas Caspian insiste em não largar sua mão e quando você o olha intrigada vê que ali naqueles olhos não está o seu rei, mas o garotinho que cresceu sem mãe e pai. Um órfão a espera de um abraço. E você sabe que demorará muito para que Caspian se mostre tão vulnerável outra vez. Com delicadeza pede para que a Rainha Gentil os deixe a sós. Antes que pudesse argumentar, ela percebe a urgência do momento e se retira.
Você se aproxima e abraça seu rei. Não é preciso falar nada, apenas abraçá-lo é o suficiente. Caspian se levanta e a abraça. Ele esconde o rosto em seu pescoço e você sente lágrimas quentes em contato com sua pele. Seu coração parece explodir ao se dar conta do tamanho da frustração e do peso que repousa sobre os ombros do rei.
Um silêncio longo se segue enquanto seu rei chora em seus braços como se fosse um menino pequeno de cinco anos de idade.
“ – ... se pudesse te enviar de volta para casa o faria sem pensar duas vezes. Prefiro viver em um mundo onde sei que você está viva e bem, do que em um mundo em que você não exista ou pior, esteja viva, mas como escrava!”
“ – Não fale como se tivéssemos perdido a guerra, pois ela nem começou. Saiba de uma coisa: aconteça o que acontecer eu não me arrependo de ter segurado sua mão no dia em que você bateu em minha porta! Eu não mudaria nada, Caspian.”
Ele a observa e se vê olhando nos olhos de uma mulher diferente daquela garota que um dia ele trouxe a Nárnia e sorri. Assim que o rei enxuga os olhos é sua vez de sorrir. Tudo o que Caspian precisava era desabafar o nó na garganta, pois até mesmo um rei sente medo.
Ficando na ponta dos pés você o beija e abraça. Ambos estão preparados para o jantar e caminham de mãos dadas para a refeição que pode decidir o destino de Nárnia. Suzana já está a postos, ela ocupa o lado esquerdo da cabeceira da mesa onde o Caspian sentará, você ocupará o lado direito.
Assim que você e Caspian ocupam seus lugares o Rei Arãn chega com suas esposas. Mas o que chama a sua atenção é o conselheiro de guerra, Azogie.
Azogie parece ter mais de 2 metros de altura. O homem é praticamente constituído só de músculos. Assim como o rei, o conselheiro usa túnicas ao invés de vestir apenas camisa e calça. A quantidade de pano que constituem as roupas de Azogie tornam o conselheiro mais impressionante ainda, sem falar na armadura que o homem parece usar sempre. Mas o que ele tem de altura e músculo lhe falta de beleza, mesmo quando sorri não espaço para beleza ou simpatia. Está sempre com a testa vincada e seu rosto destila desdém e uma raiva incontida.
O desdém no rosto de Azogie se mostra claro quando você nota os três homens que o seguem. Eles usam correntes no pescoço, são como cães para o conselheiro, mas ao invés de estender a mão para fazer carinho, esse monstro estende a mão para dar uma bofetada no homem mais velho que usa coleira. É um senhor, deve ter 60 anos, no mínimo, mas o conselheiro não quis saber, como sua função diz, a única coisa que respeita é a guerra.
Imediatamente Caspian se levanta, esconde as mãos fechadas em punho nos bolsos da calça, e fixa seus olhos em Azogie e depois em Arãn, seus ombros estão tensos. Nunca antes um rei narniano fora desafiado dessa forma, dentro de sua própria casa. Arãn está mostrando que ele não segue regras, não respeita limites e seus súditos fazem absolutamente tudo o que ele manda. Este homem está cercado por demônios e gosta disso.
Você e Suzana permanecem sentadas perplexas, mas não deixam nem o choque, nem a surpresa, aparecer em seus rostos.
“ – Seja bem vindo a minha sala de jantar. Venham, sentem-se! Espero que tenha aproveitado seus aposentados. Como se passaram suas horas de descanso?”
Tomando seu lugar a mesa, Arãn responde:
“ – Os aposentos são proveitosos, meu bom rei. Relaxantes eu diria. Um tanto quanto coloridos e ensolarados, quase me fazem crer que estou de férias.”
“ – Mas meu soberano bem sabe que não estamos de férias. Não é mesmo majestade?” Pergunta Azogie a Caspian, com um tom de voz de escárnio que parece mais que está se referindo ao um de seus escravos do que a um rei.
“ – Eu não sou tolo de acreditar que um aposento faria com que vossa graça se esquecesse de seus propósitos. Mas Arãn, comamos, depois nós conversaremos! Porém, espero que compreenda ao pedir-lhe que não açoite ou maltrate seus escravos nesta casa. Nós temos regras aqui e já me é pesado ter que aceitar a presença da escravidão dentro de Nárnia.”
Com um aceno de cabeça o rei calormano concorda e Azogie ordena que os escravos sentem-se a um canto da sala escondidos da vista de todos.
O jantar foi servido com toda pompa e circunstância que o momento pedia. Faisões, leitões e um touro foram abatidos e preparados para esta noite. Os conselheiros de Caspian se juntaram ao jantar e um grupo de músicos telmarinos se apresentou.
Você não suporta mais ver o olhar faminto daqueles homens e ordena, com a licença de seu rei, que os servos sirvam porções dos alimentos aos escravos. Estes por sua vez lhe olham com um olhar de agradecimento e incredulidade e você sabe que, se eles tiverem uma oportunidade, jamais deixarão que a machuquem.
Mas Azogie se levanta e fala em tom desafiador:
“ – Vossa majestade ousa servir o mesmo alimento que serviu ao meu rei a estes cães? Por quem nos toma Caspian? Por fracos e pobres, animais que dividem sua comida com vermes?”
O rei calormano estende a mão e Azogie se senta, ele olha para Caspian e fala em uma voz perfeitamente civilizada, em nada lembrando o rosnar raivoso de seu conselheiro de guerra:
“ – Calma Azogie, você não percebe que ele está apenas querendo agradar a moça a sua direita. É justo que, durante a corte, a vontade das mulheres seja feita. Eu só espero, majestade, que ela não continue mandando em vossa coroa depois das núpcias!”
Contraindo o maxilar, Caspian lança um sorriso desdenhoso e responde em seu melhor tom de “paisagem”:
“ – Lembre-se Arãn, que está em minha casa e aqui nós não fazemos diferença entre as pessoas. Homens livres e escravos, todos tem direito a uma refeição!”, Caspian fez questão de não responder a provocação de Arãn a seu respeito.
Após o jantar, o povo telmarino presenteou a você e Caspian com uma apresentação de algumas histórias de Nárnia em teatro como homenagem pelo noivado. A apresentação durou cerca de duas horas e mostrou a coroação dos primeiros rei e rainha de Nárnia encenada por crianças.
Assim que a apresentação acabou, Arãn se mostrou impaciente. Para ele a música e a boa conversa não passam de uma estratégia de Caspian para tentar convencê-lo a mudar de idéia. E não é somente isso, para o rei da Calormânia, a cultura de Nárnia não significa mais do que uma mosca incomoda que, com bastante paciência e calma, será abatida. É apenas uma demonstração da fraqueza dos homens, pois “um povo que concentra sua energia em música e artes é um povo fraco que merece ser dominado”, assim pensou o rei.
“ – Um povo em que as mulheres são tratadas como iguais não deveria existir. Homens foram feitos para dominar e mulheres para serem dominadas. Os fracos parecem mandar mais que o rei. Aliás o próprio rei é um fraco. Azogie, prepare-se nós lançaremos os dados agora e Nárnia sucumbirá ao levantar de um dedo meu!”
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Kamila Mendes
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