A nuvem de poeira se movimenta em uma velocidade assustadora.
O povo telmarino está agitado, principalmente com o fato de não haver um narniano que seja entre eles. Já surgem boatos de que a ausência de narnianos pode parecer uma ofensa ao rei Arãn e também pode ser um estopim para a guerra, ou que os narnianos não lutarão ao seu lado. Mas todos os nobres, incluindo você, Caspian e Suzana, se mantém firmes em suas posições. Suas feições estão calmas e plácidas, mas seus corações dizem desesperadamente para chamar por Aslan e em silêncio você obedece.
“Aslan, Nárnia precisa de você. Veja, eles são muitos. Não acredito que eu possa oferecer alhuma resistência a eles. Não acredito que possa liderar Nárnia em um combate. Fui uma idiota em acreditar que poderia usar uma espada algum dia. Por favor, não deixe que eles me levem. Não deixe que Nárnia caia... Não deixe que Caspian caia!”
Você limpa uma discreta lágrima que insistiu em cair quando sua oração é interrompida por uma liteira erguida nos ombros de escravos bem vestidos, nas cores verde e laranja, atravessa os portões da cidadela. Só o fato de haverem escravos dentro dos domínios do rei Caspian já mostra a inclinação do rei calormano em realizar essa guerra: escravos em Nárnia. É uma ofensa escravizar, castigar e humilhar homens e animais em uma terra em que reina a liberdade. A presença da escravidão ofende os preceitos de liberdade em que Nárnia foi fundada pelo próprio Aslan.
O povo se agita quando uma segunda liteira entra pelo portão principal. A segunda é maior, mais suntuosa e possui mais escravos carregando-a nos ombros, estes são diferentes dos escravos que carregam a primeira liteira.
Os pobres homens estão acorrentados pelos pés e mãos e possuem uma corrente de ouro espessa pendurada no pescoço com o nome do soberano talhado em uma placa de bronze. Aquilo não é uma corrente qualquer, aquilo é um desrespeito a qualquer ser que pensa e fala: é uma coleira com o nome do dono do animal. Aqueles homens e mulheres deixaram, a muito tempo, de se considerar seres humanos e agora andam com ombros caídos e cabeças pesadas, apenas obedecendo ordens.
Você fala baixinho, cheia de indignação:
“ – Será que eles não percebem que poderiam se libertar, apenas se provocassem uma rebelião. O número de escravos é maior que o número de senhores. Arãn não conseguiria conter uma rebelião!”
“ – Minha princesa, o medo é o maior e pior algoz que alguém pode ter. Ele nubla nossos pensamentos, embota nossos sentimentos e depois, que estende seus domínios em nossos corações, esquecemos do que significa lutar por liberdade. Somos refém de nossos medos, eles são reféns do medo que tem de seus senhores!”
Ao terminar de falar, Dr. Cornélio se volta para você e afirma:
“ – É por isso que VOCÊ vai lutar. Caspian e Suzana lutarão para manter os domínios de Nárnia em pé. Vossa graça lutará para que a liberdade, esse delicioso néctar da vida, não seja arrancado de Nárnia. É sua responsabilidade, Princesa dos Vales do Leste, manter viva a chama da esperança no coração do povo. É sua responsabilidade manter Nárnia livre!”
Você aceita o desafio. Outrora, teria ficado com medo e retrucado dizendo que o professor estava enganado, mas agora diante de tanto horror você sabe que não pode deixar o medo tomar conta de Nárnia, não pode deixar os narnianos se renderem e muito menos deixar mais esta responsabilidade nos ombros de Caspian. Então, mesmo com medo e indignação, você sorri corajosamente para os recém-chegados.
Da primeira liteira, descem três mulheres usando véu e longos mantos que lembram as roupas usadas por povos do oriente que vivem em áreas áridas e só então você percebe que talvez esse povo descenda dos povos do Oriente, em seu mundo*. Da segunda liteira, desce o rei calormano e para sua surpresa ele não é feio.
Com toda a raiva e indignação que passou a nutrir por esse povo, você acabou esquecendo que o professor já havia lhe contado sobre Arãn. O rei calormano é tão novo como o seu rei. Sua pele é morena e ele também possui os cabelos castanhos caídos sobre os ombros, mas seus olhos são claros.
--------------------------------# # #---------------------------------------# # #---------------------------
Reza a lenda que o pai de Arãn, certa vez, seqüestrou a filha de um nobre da Arquelândia e, para que não houvesse guerra entre os povos, o rei da Arquelândia entrou em acordo com o calormano. O acordo dizia que a moça não se tornaria concubina, seria feita rainha, pois esse seria seu lugar se tivesse permanecido em seu país, e seu descendente seria príncipe.
Acontece que uma doença acometeu todos os filhos que aquele rei tivera com suas esposas sobrando apenas Arãn, o filho da arquelandesa. Arãn ficou conhecido entre os calormanos como príncipe mestiço. O príncipe foi ensinado a agir e pensar como calormano e desprezar reinos considerados fracos por não possuírem mão de obra escrava, como Nárnia e Arquelândia. Pois para Calormânia, quantos mais escravos você tiver mais rico você é. Então imagine a quantidade de escravos que um rei possui.
Ao morrer o rei calormano fez o seu sucessor, o príncipe mestiço Arãn, jurar que dominaria os reinos de Arquelândia e Nárnia. O motivo de tanto ódio? A única explicação seria um dos últimos feitos de Caspian IX: O nono derrotara o pai de Arãn em uma tentativa frustrada de invadir e dominar Nárnia. Após essa vitória Miraz envenenou seu rei e o resto da história você já sabe.
-----------------------------# # #-------------------------------------# # #--------------------------------
Você também havia esquecido que o rei calormano, além de ser conhecido pelas suas grandes vitórias (o calormano nunca perdera uma guerra se quer) também é conhecido pela beleza. Arãn uniu em si mesmo o que há de mais bonito em um homem calormano e um homem arquelandês: o rosto forte, característica da Calormânia, se mescla a um nariz grande, porém de desenho delicado, como os arquelandeses e também como o seu rei. Os olhos são o que mais chamam a atenção, são de um mel quase amarelado que contrastam com a tez morena queimada de Sol.
É musculoso como um calormano e alto como um arquelandês. “Se não fosse um inimigo seria alguém interessante de conhecer”, você pensa.
O rei Arãn é imediatamente cercado pelos seus guardas, homens de confiança, ao todo você conta dez homens fortemente armados. Ele segue em direção a Caspian que também é cercado por sua guarda, ao todo são 12 homens entre cavaleiros e infantaria, todos de armadura e espada na mão. Ao lado de Caspian está à rainha Suzana, também cercada por cindo dos melhores arqueiros de Nárnia.
“ – Devo me apresentar primeiro? Creio que sim! Me chamo Arãn I, rei da Calormânia. Desculpe chegar sem avisar, mas tinha pressa em tratar de negócios com vossa graça!”, fala o calormano cheio de arrogância e desdém na voz e estende a mão para cumprimentar Caspian.
Você e todos notam que o soberano não se curvou diante de Caspian e, apesar de ter avaliado Suzana dos pés a cabeça, ignorou a presença da Rainha Gentil, que agora sustenta um olhar que transparece tudo, menos gentileza. Se curvar diante de alguém com quem você quer negociar é uma questão de educação e até de submissão.
Com um sorriso que transparece o mesmo desdém, porém com uma voz mais educada, Caspian responde:
“ – Seja bem vindo, Rei Arãn. Espero que vossa majestade ache nossas acomodações agradáveis, visto que não tivemos tempo suficiente para prepará-las. Como vossa majestade já deve saber, eu sou Caspian X, rei de Nárnia e esta ao meu lado é a rainha Suzana, a Gentil, antiga rainha de Nárnia e protetora de seu povo!”
Com um sorriso triunfante no rosto, Caspian observa o rei Arãn se desculpar com Suzana por não tê-la cumprimentado antes, mas a Gentil mantém sua postura superior e apenas o cumprimenta com um meneio de cabeça. O humor de Suzana está negro como os cabelos dos reis e ela imediatamente olha para você e diz, de forma que só você possa notar:
“ – Este homem não veio em paz. Tome cuidado, você será apresentada agora, não fale se não for necessário. Deixe que Caspian siga com as boas vindas!”
Você entende a mensagem e assume um expressão tão cortez e séria quanto a da Gentil.
“ – Vossa esposa é deveras bonita, meu senhor, parabéns. Estas são minhas esposas: Asha, Dinorah e Menéia. O senhor deve perceber que os nomes soam diferentes, pois bem, minhas esposas são filhas de reis que se submeteram a mim! Mas me esclareça uma coisa: se essa beleza é sua esposa, quem aquela que se assenta acima de vossas coroas?”
Mesmo sabendo que um homem jamais se dirige a uma mulher na cultura calormana, Caspian as cumprimenta como um gesto de respeito e pesar e responde a pergunta de Arãn.
“ – Sejam bem vindas, rainhas. Mas soberano, creio que tenha entendido errado. Suzana não é minha esposa, ela é uma protetora de Nárnia, uma das antigas rainhas que protegem Nárnia. Aquela, nos primeiros degraus da escada, é minha prometida, a Princesa dos Vales do Leste, futura rainha de Nárnia e guardiã do povo!”
Caspian não precisou chamá-la. Você desce os degraus e se posta ao lado direito de seu rei e fala (um pouco assustada, é claro):
“ – É uma honra recebê-lo, soberano. Espero que sua estadia aqui seja marcada por festejos e paz entre os povos!”
Você faz uma ligeira mesura e percebe duas cimitarras na cintura do rei. “Suzana está certa, este homem não veio para fazer paz. Ela deve ter percebido as armas antes de mim!”, você pensa.
Arãn as cumprimenta e você percebe que é forçoso para ele admitir que uma mulher possa ter autoridade. Mas o rei da Calormânia parece está montando algum tipo de plano, pois ele mantém os olhos sobre você e Suzana por um tempo longo e depois se volta para Caspian
“ – És um homem de sorte. Está cercado por belas mulheres e ainda guerreiras isso não é para todo homem!”
“ – Sim, tenho sorte. Aslan me deu uma grande amiga e uma noiva, além de uma rainha com a qual posso decidir como proteger melhor meu povo. Aslan sabe de tudo, Ele sabe daquilo que eu preciso e de minhas necessidades, mesmo quando nem eu sei.”
Ao som do nome do Grande Leão, o rosto do rei calormano se contorce em desprezo, afinal ninguém consegue ficar indiferente ao som do nome de Aslan: alguns acreditam no Grande Leão, outros negam sua existência, enquanto alguns dizem que acreditam, mas suas ações dizem o contrário.
Ao ouvir a reação do rei você pensa que sua queda será tão alta quanto a sua subida.
“ – Tash também me deu grandes vitórias sobre guerras travadas outrora e veja: minhas esposas e concubinas são espólios dessas vitórias”
Caspian não esboça nenhuma reação diante do nome do deus calormano, mas você não consegue parar de pensar como um coração cheio de maldade e soberba pode ter um rosto tão bonito e então você lembra que “o diabo se veste até de anjo de luz!” e lembra também que a Feiticeira Branca foi capaz de enganar o próprio Rei Edmund, o Justo, com palavras doces e um rosto bonito.
OBS: O texto foi escrito por mim e é proibido seu uso ou cópia integral, ou de fragmentos, sem a autorização da autora. O mesmo vale para todo e qualquer conteúdo deste blog que seja de minha autoria. Sua cópia ou uso sem autorização é qualificado como plágio, sendo configurado como crime previsto no Código Penal. O infrator está sujeito as punições previstas no Art. 184 do Código Penal - Decreto Lei 2848/40
Kamila Mendes
*Como explicou minha querida amiga
Thays, no post sobre a Calormânia, Lewis pode ter baseado esse povo nos povos orientais, como árabes, indianos e afins. Thays, seu blog foi muito importante para que eu pudesse escrever esse capítulo e os próximos!
** A fic Um Pequeno Conto é publicado, originalmente, desde de abril de 2011, no blog
Kamila Mendes, no ning Mundo Narnia!
Marcadores: FICS