Era talvez o dia mais frio do ano quando Grace fora
arrastada do seu balanço. Faminto, o lobo a arrastara até o interior da
floresta onde começou a mastigar sua carne. Não demorou até que outros se
juntassem. A menina não gritava, não se movia. Em choque apenas olhava os
focinhos sujos de sangue até que um dos animais se aproximou o suficiente para
que pudessem ver seus olhos. Imersa na dor, Grace fixou os grandes olhos
amarelos e não se lembrou de mais nada.
É com essa lembrança que a adolescente Grace vive todos os
dias. Ao contrário de qualquer outra vítima de ataque animal, a jovem nunca
temeu a floresta, ou os lobos. Pelo contrário, seu fascínio pelos animais cresceu
em proporções assustadoras, a ponto de esperar pelo Natal ardentemente. Sim,
Grace é um enigma da natureza.
Estranhamente, após o ataque na floresta, o lobo de olhos
amarelos passou a observar a menina. A medida que crescia, Grace ansiava pela
visita do lobo no inverno e passou a perceber que, a cada ano, via algo de extremamente
humano naquele olhar animal.
Sam era um rapaz melancólico que nega sua natureza. Com veia
artística, o sonho do garoto é ter uma vida normal. Com toda sua força o jovem
luta contra o seu destino, até que um dia o destino o coloca na floresta diante
de uma alcateia se alimentando de uma garota ainda viva. Desde aquele dia,
quando chega o frio, o lobo atravessa a floresta e observa atentamente a
menina, em busca de um sinal, de uma esperança e sem saber, de um amor.
Esse é o plano de fundo de Calafrio. Mas não se engane com a
premissa de lobos que viram gente e que se apaixonam. Não estamos falando de um
romance comum com cobertura de açúcar derretido. Grace não é uma heroína comum,
frágil, dependente e tola. Sam não é o mocinho usual. Ele não aparece para
salvar o dia. Não usa uma capa invisível de Super-homem, ou aceita seu destino
de forma resignada. Ao contrário disso.
‘Os olhos são a única coisa que pode entregar que um dia
fora humano’
Poderia passar horas descrevendo esse livro, sendo fã do
gênero fantasia como sou. Mas prefiro deixar a impressão que tive. Não vou
fazer como tantos outros fizeram: me recuso a usar Calafrio para julgar o
trabalho de Stephenie Meyer com os lobos de Crepúsculo. Pelo contrário. Vou apenas
mostrar como amo essa história.
Calafrio ganha forma quando um jovem, filho de uma família
influente da região, some misteriosamente e o corpo de polícia decreta que ele
teria sido vítima dos lobos. Instaneamente, Grace vira o foco da cidade. Fora
ela a menina sobrevivente do ataque de seis anos atrás. O pai do rapaz
desaparecido instiga os caçadores da cidade a entrarem na floresta para por um fim
a ameaça dos lobos.
Desesperada, Grace corre para proteger seus lobos. Ao chegar
em casa, se depara com um rapaz nu coberto de sangue, encolhido na varanda de
sua casa. A jovem se aproxima e percebe que o sangue vem de um ferimento a bala
na nuca do rapaz. Assustada a menina pergunta o nome do jovem e quando ele se
vira para responder, Grace entra em choque ao observar que o pedido de socorro
vem dos mesmos olhos amarelos que um dia salvaram sua vida.
Ao ser mordida, Grace deveria ter passado pelo processo de
transformação assim que o primeiro sinal de inverno se aproximasse. Mas a
menina permaneceu a mesma. Sam vê em Grace uma esperança de permanecer humano.
Grace vê no jovem a esperança de sair de sua vida monótona e, enfim, se unir ao
seu tão amado lobo. O romance se desenrola a um ponto em que ambos devem
escolher entre permanecer quem são, ou lutar contra a natureza para ficarem
juntos.
A narrativa alternada entre os personagens é um ponto que
também encanta, além do romance impossível. A história é contada através da
ótica simples, dinâmica e prática de Grace e por intermédio do olhar romântico,
fatídico e melancólico de Sam. Mas não presuma que o rapaz é mais um personagem
emo entre tantos. Não, Sam cativa literalmente pelo olhar.
De forma sutil e simples, sem arroubos descritivos ou
devaneios fantasiosos, Maggie Stiefvater nos introduz no cruel mundo dos lobos
que se transformam em gente. Sim, num determinado ponto, já não são mais
humanos que se transformam em lobos, mas o animal que cede espaço para as
memórias e sensações humanas. Maggie brinca com nosso senso de fantasia e
realidade ao mesclar ambas em um ambiente calmo e bucólico.
Enfim, uma leitura recomendada para quem ama as fantasias
voltadas para o público jovem e para quem ama a dualidade homem/animal, assim
como eu. Li, reli. Indico, recomendo e sou mais uma apaixonada pelo Sam, dono
dos mais belos olhos amarelos (futuro alvo de um artigo).
By - Kamila Mendes
Sinopse: Calafrio - Os Lobos de Mercy Falls - Livro 1 -
Maggie Stiefvater
Quando chega o inverno, Grace é atraída pela
presença familiar dos lobos que vivem no bosque atrás de sua casa. Ela espera
ansiosamente pelo frio desde que fitou pela primeira vez os profundos olhos
amarelos de um dos lobos e sobreviveu ao ataque de uma alcatéia. Esses mesmos
olhos brilhantes ela encontraria mais tarde em Sam, um rapaz que cresceu
vivendo duas vidas: uma normal, sob o sol, e outra no inverno, quando vestia a
pele do animal feroz que, certa vez, encontrou aquela garota sem medo.
Tudo o que Sam deseja é que Grace o reconheça em sua forma humana, e para isso
bastaria que trocassem um único olhar. Mas o tempo de Sam está acabando. Ele
não sabe até quando manterá a dupla aparência e quando se tornará um lobo para
sempre. Enquanto buscam uma maneira para torná-lo humano para sempre, têm de
enfrentar a incompreensão da cidade, que vê nos lobos um perigo a ser
combatido.
Primeiro livro da série Os Lobos de Mercy Falls, Calafrio é a história de dois
jovens que aceitam correr todos os riscos pelo amor, até mesmo o de deixarem de
ser quem são.
Sinopse originalmente publicada no Skoob.
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